12/8/2021 0 Comments #crónicasdosdias 7|12o inverno a instalar-se por cá. trouxe o nariz entupido da Helena (como compete aos invernos, de todos os tempos) , céus cinzentos e a lareira acesa. e trouxe-me um desalento ao coração, que não sei porque veio. winter blues, não é? .
as caixas com os brilhos de Natal vindas do sótão que poderiam trazer um possível luz o à alma, logo fonte de desassossego: a helena quer pôr ao seu jeito e o joão também. nenhum deles é como eu vi no pinterest. depois os anjos atrapalham os carregadores dos telemóveis na consola, as velas ocupam o espaço do playmobil na cómoda, e o centro de flores e musgo em jeito de mimo da minha mãe que me vê sem alento não tem infelizmente lugar na mesa da sala que está com lotação esgotada ( papel de embrulho, computadores, fichas da escola, livros de colorir, tesouras e cordel, roupa que saiu da corda, alguém se consegue relacionar? queria tanto saber que não estou só!!) inquieto-me. resmungo. o joelho que não me deixa ir jogar padel há quase quinze dias leva-me o resto de paciência. a desordem da casa que a torna tão pouco ao meu jeito e o frio lá fora, ufa! nos dois dias que resolvi sair, caminhar um pouco, ir a pé até a beira do rio, procurando energia e distanciamento social da intensidade dos filhos, desabou uma chuvada forte que me fez apressar o passo, na falta de guarda chuva ou agasalho. da segunda vez que me aconteceu não pude deixar de sorrir da coincidência e depois achei que só podia ser o mundo a dizer-me coisas. abrandei o passo e larguei os pensamentos automáticos. deixei entrar alguns questionamentos: que sociedade somos, que humanos somos nós, que temos medo de CHUVA, de VENTO, do SOL. que nos acomodamos facilmente à imposição tão pouco científica que nos impede de respirar os cheiros da rua, o ar frio revigorante. achamo-nos frágeis, desprotegido, desamados pela natureza. nós, que muitas ainda crescemos a fazer parte das cidades, a caminhar fosse verão ou inverno se queríamos cegar a algum lado, a brincar no bairro, que adultos serão os nossos filhos! passei muitos anos a andar muito pouco ou quase nada a pé. a não fazer parte de uma cidade, a não calcorrear ruas. sempre de carro entre casa e shoppings ou grandes superficies. trabalhei dez anos em centros comerciais. em gabinetes ou espaços onde passava mais de oito horas por dia sem ver a luz real do dia. a chuva molhava-me os pés, a cabeça, humedecia o casaco, batia-me na cara com a ajuda do vento gelado, e algo aqueceu o meu coração. a sorte que podemos ter e esquecer. reconhecer que fiz as escolhas certas. não prováveis, não muito seguras, mas certas. nesse dia , depois do banho quente e os dramas familiares do costume, passei de raspão pelo telejornal. o Papa depois de visitar os campos de refugiados na Grécia a dizer coisas tão lindas, tão importantes, tão duras. “devíamos todos nos curvar de vergonha perante vós.” é certo que as nossas dores são as nossas dores. que não podemos viver a vida que não vivemos e temos de fazer as pazes com isso. mas há um momento em que temos de cair em nós, de questionarmos que raio de espécie somos. nesse dia à noite acendi as velas e as luzes de natal das janelas, devo ter feito uma storie do bolo de avelã que imitei de um blog, fotografei o fogo inspirador da lareira que o Rui acendeu, ajudei-os a tirar as almofadas decorativas das caminhas para se deitarem, ouvi a minha playlist de dezembro no spotify enquanto lavava a louça , os individuais natalícios limpos, os guardanapos com pinheireinhos recolhidos. uma série na netflix, depois, sobre famílias que se refazem em busca da paixão e do amor perdidos.a imagem dos meninos a quem o Papa Francisco apertou a mão, a virem-me ao coração. desalentado, pecebo-o agora, talvez mais pelos tempos que vivemos do que pelo tempo que faz lá fora. meio mundo sem casa e outro meio a brincar às casinhas, meio mundo sem direito à infância, meninos crescidos pela dureza precoce da vida, e no outro meio eternas crianças mimadas. claro que o que sentimos é sempre válido e fala sempre sobre a nossa realidade, não se trata de esquecer ou desvalorizar as emoções e o que importa nas nossas circunstâncias. mas também se trata de deixarmos a luz da consciência iluminar os dias mais escuros. de sermos crescidos, com responsabilidade sobre o mundo em que vivemos e onde queremos viver. de sermos os "adultos na sala", sobretudo quando a nossa sala ( desarrumada, imperfeita, virada de pernas para o ar, invadida por crianças que estão a poder viver a sua infância) é tão segura e confortável. com amizade, mariana ⭐︎
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December 2021
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