Nestes últimos meses em que passamos tanto tempo em casa uns com os outros, assisti várias vezes ao João Maria, que tem 10, a corrigir a Helena, que tem 4, em algumas conversas que mantinham. Ele ficava exasperado com alguns comentários da irmã, que não eram senão apropriados para a sua idade, mas que revelavam a imaturidade do seu cérebro a desenvolver-se um pouco atrás do dele, também imaturo.
Então procurei explicar-lhe o que muitos pais e educadores se calhar também não sabem, ou na verdade, podemos saber intelectualmente mas não respeitamos nem incorporamos na forma como nos relacionamos e pensamos a educação dos nossos filhos. Conhecemos bem o desenvolvimento fisico - o que se espera, o que acontece primeiro e depois - é nos útil para não criar ansiedade ou pressão tonta : por exemplo, o processo da dentição, do crescimento, do aparecimento de pêlos ou mudança de voz, como não esperamos que uma criança corra antes de andar, ou utilize a faca e o garfo antes de manejar os blocos de madeira, também ha um calendário cerebral / emocional e na verdade parece-me que, às vezes, "educar" é contrariar, forçar esse calendário e esperar algo completamente impossível das nossas crianças. Uma das estruturas cerebrais que mais tardiamente se desenvolve é o córtex pré-frontal, uma área que a nossa espécie tem mais desenvolvida, é das últimas a amadurecer e a se tornar apta, completa. Estima-se que esteja em maturação até aos 25 ( sim, eu percebo o suspiro!) e é extremamente influenciada pela experiência e pelo meio ambiente e contexto. É esta a área responsável por planeamento e antecipação, pensamento sequencial, lógica , empatia e auto- controlo e inibição de impulsos o que explica porque é que a nossa vida de cuidadores e pais de crianças pequeninas é tantas vezes tão difícil: quando, por exemplo, os queremos fazer entender que contar as tartarugas da tshir não é importante agora porque temos de chegar a escola daqui a meia hora ou que é preciso aguardar para comer o gelado depois do almoço, ou pedir-lhe para se acalmar-se quando se sente muito nervoso só porque estamos a dizer para o fazer, ou partilhar o seu brinquedo preferido quando gosta tanto dele, ou mesmo pedir para aprender sequências abstratas de números ou grafismos, pintar dentro das linhas, saber que julho vem antes de setembro, muitas vezes a crianças de 3 e 4 anos cujo cérebro simplesmente não tem as estruturas para entender isso! Este sistema de controlo depende do tempo e também muito mais da aprendizagem do que o sistema emocional, é dependente da experiências que vamos tendo,. Ou seja, começamos a tomar boas decisões por poder ir tomando não tão boas decisões e depois conseguir corrigi-las. Conseguimos ser um adulto que prevê e planeia com eficácia, fazendo planos, implementando-os e vendo os resultados, enquanto crescemos. Nós pais e educadores, podemos influenciar, servir de exemplo mas sobretudo permitir que este sistema pré-frontal entre em ação, para se ir fortalecendo e de nada vale procurar incutir à força capacidades e comportamentos que simplesmente a criança ainda não consegue ter. Há outro lado importante destas descobertas da neurociência: é percebermos que o cérebro da criança pequena não é "menos capacitado" ou "subdesenvolvido", pelo contrário, é riquíssimo em alguns tipos de pensamento e estruturas que perdemos depois enquanto adultos e que interessa respeitar e que permitem a imaginação, o brincar livre, a criatividade, o pensamento divergente, uma boa e rápida reação a estímulos, a atenção dispersa e a aprendizagem. É o desenvolvimento pleno destas capacidades que vão tornar os nossos filhos em jovens e adultos mais espertos, inteligentes e capazes. Ou seja, a primeira infância, parece estar desenhada para ser um período de inovação e mudança, importantíssimo de respeitar e permitir, para depois desempenharmos bem as funções mais cognitivas e executivas à medida que crescemos. Educar é então antes de tudo lembrarmo-nos que temos efetivamente cérebros diferentes, preparados para ver e experienciar o mundo de formas diferente e o nosso ensino poderia ser muito mais efetivo se fosse de encontro às reais e maravilhosas capacidades das nossas crianças. Só temos a ganhar permitindo a sua independência, autonomia e desenvolvimento no que não traz perigo e sob a nossa supervisão, claro e lidando com amor e paciência com os comportamentos que não são mais do que apropriados e reveladores de um desenvolvimento normal. Um abraço amigo, Mariana Este post é baseado no episódio do podcast Cócegas no Coração que podes ouvir na íntegra no link abaixo ou na tua app de podcasts habitual.
1 Comment
Marisa Ramos
10/3/2020 08:59:23 am
Olá ouvi o seu Podcast sobre este tema e fez muito sentido para mim tudo o que disse. Obrigada!
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December 2021
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