7/31/2019 0 Comments A(s) Pedra(s)A ousadia parece roçar o perigo, na instalação temporária que está no Oficina , sobretudo para quem como eu , ficar na mesa mesmo por baixo dela. A viagem, neste almoço que se antecipava ligeiro, simpático, entre afazeres e amizades tranquilas , não foi só pelos sabores gastronómicos , foi pela mente, emoções e pensamentos e por esse insondável terreno que nos torna humanos. Primeiro achei graça. Os olhos, espantados, alternavam entre o baixo onde estava o menu cordial e o alto onde estava a peça de arte desafiadora. Por vários minutos, o meu cérebro alternava entre decidir o que lhe apetecia almoçar e o que sentia acerca da estrutura que tinha em cima de mim. E o meu corpo alternava entre os goles de àgua fresca que a gentil senhora me serivra e o engolir em seco que a pedra em cima da cabeça me provovaca.
Não há decisão sem emoções à mistura e, sentimentos misturados e sobrepostos é o que de mais distintivo temos como espécie. Surpresa, deslumbre, graça, medo, desconforto, segurança, confiança, dúvida e ainda fome , sede. Não bastasse esta amálgama de “sabores, os pensamentos “temperavam” quer uma escolha quer a outra, a interpretar, avaliar, recordar e imaginar. Carne ou peixe? Será perigosa a arte? Água ou vinho? Aquilo tem de estar mesmo muito bem seguro. Peço sugestão para a sobremesa? É óbvio que não corriam o risco? Que raio de ideia! Que saborosa combinação. Viagens interiores sem fim. E , às vezes, muitas vezes, sem começo real a não ser as nossas assunções particulares e subjectivas. O que mais nos torna humanos são as nossas fragilidades , não a nossa “ inteligência”. E tanto a arte como a cozinha são disso exímias manifestações. Comentei alto uma pequena parte do que ia cá dentro. E o meu marido levantou a hipótese, desvendou meio segredo, deu a entender que não se sentia ameaçado pela pedra em cima da cabeça. Os meus olhos, os meus sentidos a dizerem-me uma coisa , a fazerem tinir algum (pelos vistos falso) alarme e a declaração tranquila de alguém em quem confio a fazer-me duvidar de mim própria. Não pode ser! Será ( mesmo) feita de pedra, a “pedra”? E tantas outras reflexões e perguntas sem resposta ainda, tomaram novamente, conta da minha mente humana ! Quantas vezes reagimos ao que parece em vez do que é? Quantas vezes tomamos decisões estruturais na nossa vida com base nos indícios e aparência de uma situação? O que é preciso para que algo pareça “perigoso”, “pesado”, “ ameaçador”? Seriam mais fortes as “cordas -crenças” que a seguravam do que a própria “pedra-problema”? Se nos dão as pistas “certas” podemos chegar à conclusão “errada”? A ilusão perfeita existe? Serão os nossos sentidos e a nossa mente que a criam, ao apresentar-nos perceções como verdades irrefutáveis? “Mas parece mesmo!” Alguém que chega ao miolo das coisas e não se fica pelo que parece almoça muito mais descansado, poderia ser a conclusão metafórica a tirar dali. Parece que não há dúvidas sobre o sistema digestivo ser o nosso “segundo” cérebro e que emoções e estômago andam de mãos dadas na nossa experiência dos dias. E, na verdade, assim com a mente sossegada, no fim do almoço , fosse pela qualidade do repasto ou da instalação artística, os meus sentimentos eram de leveza, admiração e bem estar. Ambos tinham cumprido a sua função : um lado meu estava satisfeito e o outro estava à procura de mais - o resumo perfeito do que nos torna humanos. ❥
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