Uma destas manhãs de chuva, os meus dois filhos entretinham-se com um videojogo de Tenis, entre risos e celebrações. Claro que, passado pouco tempo, os conflitos e choros, e uma competição desenfreada já estavam a levar a melhor na manhã nublada de férias grandes.
Eu tinha de ir às compras do costume , e relembrando uma conversa recente que tinha tido com o João sobre campeonatos e competições e os respectivos prémios, antes de sair disse-lhes: "Vou às compras. Fiquem a jogar sossegados que eu, quando voltar vou trazer comigo um prémio para quem... PERDER!" Os olhinhos da Helena abriram-se de espanto, e depois o sorriso de quem encontrou o conforto implícito na minha jogada invertida. Na parentalidade consciente não há lugar a prémios nem recompensas , nunca os utilizei cá em casa como moeda de troca nem de resultados nem de comportamentos e acredito que devíamos questionar mais a sua prática no resto dos contextos escolar, empresarial, desportivo, em que nos movemos como crianças e depois adultos. Na verdade, colocarmos o foco numa recompensa forçada e externa à situação só nos faz distrair de quem somos, fazer coisas que não queremos ou com as quais não concordamos, correr sem ser por gosto e deixar um lastro de pouco significado nos nossos dias. Quando queremos fazer exatamente o contrário, cheios de boas intenções, estragamos a motivação intrínseca dos nossos filhos e a sua construção assente em valores pessoais e num forte carácter quando os manipulamos com o acenar do prémio. Há sempre um prémio inerente a ganhar, a chegar ao fim a conseguir, ou simplesmente a fazer algo que está conectado com quem somos, a aprender, a descobrir, mas está dentro de nós e precisa de ser alcançado sem interferência externa. E tirar prazer de um processo sem ter o foco no resultado faz-nos ser mais calmos, mais felizes, e paradoxalmente melhores no que fazemos. Como eu disse a Helena e ao João depois “então mas quem ganha já está feliz por ganhar certo, parece me que faz mais sentido dar algo a quem perder para o consolar! “ Eu não fiquei para ver , mas contou-me quem ficou que o jogo decorreu de forma tranquila, com empenho e entusiasmo, sem raivas nem brigas. Porque quando tiramos o prémio é só isso que sai da equação: o stress, a ansiedade de desempenho, sentirmos o nosso valor dependente de ser melhor ou atingir mais. Não perdemos alegria, nem motivação, nem até um dar tudo por tudo para ganhar, - se estamos de livre vontade e alinhados com o que estamos a fazer - mas fazemo-lo de um sítio mais tranquilo, mais alegre, e reagimos muito melhor quando perdemos. Eu sei que isto mexe com crenças enraizadas na nossa forma de estar e de viver em sociedade , eu sei que a competitividade está na ordem do dia mas não é esse o camino das auto-estima boas, da boa saúde mental, e não é por aí o caminho do bem estar nem mesmo do sucesso de crianças ou adultos. Um abraço, Mariana Este post é o resumo do episódio do Cócegas no Coração desta semana, que podes ouvir no link abaixo ou na tua plataforma de podcasts preferida.
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Aqui há uns dias, a propósito de algo que já não me recordo, a Helena , 4 anos e meio, disse me que tinha esperança . Não, não foi a propósito da pandemia nem das eleições americanas. Eu própria não entendi logo mas ela explicou: "Eu tenho esperança e por isso vou esperar" (seria por algo que eu não lhe podia dar naquele momento.) Tão bonito não é? Ligar a palavra esperança a paciência, a esperar, não só no sentido de acreditar em algo, ou que algo vai acontecer, mas associar isso a uma intrínseca capacidade de aguentar um pouco, de dar tempo ao tempo, de sossegar, aceitar o tempo intermédio. Fiquei a pensar se a ansiedade em que vivemos, a rapidez com que os dias correm, a lufa lufa incansável em que nós e as nossas crianças vivemos, a correr, sem tempo, ou com o tempo contado, não nos torna meio desesperados , sem paciencia , porque isto está tudo ligado. E, ao mesmo tempo, se o facto de sermos pessoas com esperança é o que nos leva a ter alguma calma a viver as coisas, não entrar em pânico e no medo tão facilmente. Uma lição completa de mindfulness - ou de como navegar o nosso barco em tempos incertos - da pequenina guru cá de casa. Lembrei-me logo de uma outra palavra que o João re- significou para sempre, no meu dicionário pessoal. Teria também uns 4 anos quando, a propósito de uma mistura de sabores um pouco duvidosa (para o meu gosto tradicional , claro) que estava a fazer, me disse que era mais experiente do que eu. Eu tinha 36 anos , não estava a perceber a lógica! Mas ele explicou: "Então, se experimento mais coisas do que tu, se gosto mais de experimentar sou mais experiente. " Irrefutável, certo? Até hoje uso esta história nos workshops com os pais e educadores, como um ponto de partida para a reflexão acerca de crescermos não ser realmente igual a termos experiência, acerca de deixarmos os nossos filhos crescer de verdade ou educarmos eternas crianças quando os privamos de arriscar, de inovar, de inventar, hiperprotegidos e controlados, sem grande autonomia ou responsabilidade pessoal. Quando educamos a achar que temos de ter sempre as respostas prontas, para tudo. Mas crescer, na verdade, e não é algo que a acontece numa redoma, numa bolha protegida. Ser adulto não é viver fechado sem experimentar o mundo, e fazemos muito isso às nossas crianças, até bem tarde, nos tempos que correm. Curiosamente, depois, esperamos que cheguem a uma determinada idade e sejam - como diria o meu João - "experientes" e sensatos. Que lição de parentalidade consciente esta, dada pelo meu guru de palmo e meio. Temos muito a ganhar quando nos oferecem uma perspectiva nova sobre as coisas. E as nossas crianças fazem-no a toda a hora se nós não desperdiçamos essas oportunidades e as deixarmos acontecer, sem os corrigirmos de imediato, sem explicar tudo e ouvir, sem julgamentos, a sua explicação e visão das coisas. As nossas crianças podem ter um cérebro imaturo, pouca experiência em algumas áreas da vida ou não saber pronunciar bem algumas palavras, mas têm uma sabedoria inata de quem veio depois, e negar isso a toda a hora é desaproveitar um manancial de novas ideias e ideais, novas possibilidades de vivermos melhor e sermos melhores seres humanos. Cabe-nos decidir, como adultos cuidadores do presente, se queremos educar os nossos filhos sem pensamento crítico, sem originalidade em ver as questões antigas, sem acrescentarem valor a esse mundo futuro onde nós, já velhos, vamos também viver mas que caberá a eles cuidar. Um abraço, Mariana Este post é baseado no episódio desta semana dopodcast Cócegas no Coração. Podes ouvi-lo no link aqui em em baixo, no spotify, apple podcasts ou castbox
Nestes tempos de muito tempo juntos houve laços que se estreitaram entre pais, filhos e irmãos e houve, tal como me parece que a pandemia laçou sobre a sociedade, muita luz sobre zonas de sombra, também nestas mesmas relações familiares.
Cá por casa, começaram a acontecer alguns surtos recorrentes de mau feitio do meu filho mais velho, viroses chatas de implicância com a irmã, resistentes a tratamentos à base de explicações lógicas sobre a diferença de idades, a empatia, o cansaço dos pais, etc. Até que percebi do que precisava o meu filho mais velho: precisava de mimo. Precisava literalmente de doses generosas de beijos, abraços e colo, intercaladas com paciência, tolerância e atenção às suas necessidades. Perco-me, por vezes, nesse equilíbrio entre permitir o seu desconfinamento da asa materna e manter-me disponível, cuidadora e vigilante pelas suas necessidades emocionais. E acredito que, por uma razão ou por outro, acontecerá a muitas de nós. Seja porque um irmão mais novo nos leva a atenção, a energia e os braços (literalmente!), seja porque os vemos a crescer e ser bem independentes ou porque nos disseram que "mimo a mais não é bom", que "mimar demais os filhos é prejudicial", que "crianças mimadas são mal educadas e adultos que nunca crescem!" Eu tenho outra teoria: mimo, esse da ternura e do afeto, dos respeito pela integridade e necessidades ( não digo desejos e vontades e pedidos, digo necessidades), nunca é demais. Não há tal coisa como colo a mais, interação a mais, beijos a mais, paciência a mais, meiguice a mais, respeito pelas emoções e conversa a mais - podemos não estar, é certo, sempre disponíveis física ou emocionalmente para o dar aos nosso filhos mas que não se retirem de propósito por achar que fazem mal ou deseducam. Os limites e os "nãos" de que tanto se falam, só educam quando nos saem do coração, da valorização do que consideramos ser no seu melhor interesse, quando cá de dentro há um alerta de perigo, de instinto de proteção e cuidado e de os fazer crescer com dignidade, caráter, saúde e valores que para nós são quase essenciais à vida. O mimo "maléfico", vem de quando tentamos compensar falta de presença com coisas, falta de carinho com presentes, falta de atenção e tempo com eles com recompensas materiais, ou quando serve de moeda de troca para resultados, comportamentos - aqui sim estaremos a cavar buracos negros na autoestima dos nossos filhos, e a ensinar-lhes a procurar fora o que só podemos encontrar dentro de nós. Também podemos pensar naquelas formas de desresponsabilizar os filhos, de nãos lhe permitir grande autonomia ou opinião, de não lhes dar poder de decisão nem liberdade, espaço para fazerem o seu próprio caminho, cair e levantar, errar, escolher e sofrer as consequências, como mimo, mas isso só mima os próprios pais e mães que se recusam a ver os filhos como seres independentes , separados de si, e com uma vida própria. Isso é apenas controlo e ansiedade e não afeto. Os adultos mais “mimados” que conheço, que, independentemente da idade que têm, fazem birras, que levam tudo a mal, que parecem exigir aos outros e a vida que se curve perante eles, que lidam mal com a rejeição, a perda e os contratempos, que precisam de mostrar o seu valor com arrogância e exibicionismo foram por norma crianças muito sós, muitas vezes batidos ou maltratados pelos adultos, inseguros na sua relação com eles, desde cedo habituados a mostrar o que valem, com muitas regras e medo durante o seu crescimento. É ou não? Sempre que demonstramos atitudes infantis como adultos, elas vêm da falta do tal mimo ( de atenção, reconhecimento, validação, afeto) que podemos ter tido ao crescer, nunca do contrário. O mimo como demonstração de um amor incondicional será sempre a cura (e a vacina!) para surtos de baixa autoestima e problemas sociais e mentais. E não impede nunca de deixarmos os nossos filhos crescer, pelo contrário: ajuda-os a crescer seguros, livres e responsavéis.♡ Um abraço amigo, Mariana Este post é um resumo do episódio da semana do podcast #cócegasnocoração, que podes ouvir aqui em baixo ou na tua plataforma de podcasts habitual. Na mudança para a casa nova , as plantas vieram connosco - as de interior, e os vasos bem intencionados da varanda do apartamento e os cheiros: lavanda e hortelã. E é acerca desta última que hoje vos trago uma reflexão poderosa sobre parentalidade. Já na casa nova, com o passar das semanas a hortelã definhava. Cada vez mais seca, sem novos rebentos, sem crescer. E o que fazia eu? Regava, regava para que não he faltasse àgua, tirava ervas daninhas que cresciam à volta, e nada parecia resultar. Cansei-me a cuidar dela, chegou a um dia que lhe roguei eu própria umas pragas e a dei como perdida. "Olha a alfazema" - apeteceu-me dizer - "em flor e tão aromática!" Ridículo, eu sei, mas quantas vezes fazemos isto com as nossas crianças e não caímos em nós? Quando se fez luz e mudei o vaso para um local menos exposto ao sol a mudança aconteceu. Quase da noite para o dia. Sem esforço nenhum, as ervas daninhas não voltaram e as folhas voltaram a crescer, viçosas e cheirosas. Esta é uma lição preciosa para nós pais e educadores - e até lideres, políticos ou chefias: o contexto é quase tudo. Quando a envolvente é a certa o resto flui. E as pessoas, as crianças tal como as plantas tem as suas “condições ideias”, tem as suas necessidades especificas. Não nos cabe a nós dizer quais são. O nosso principal papel como pais e educadores é entender isso. É perceber como podemos cuidar das nossas crianças conforme a sua natureza. Será que uns precisam mais de novidade e experiências diferentes e outros de rotinas e padrões? Será que uns aprendem melhor em movimento e outros em silêncio e sossego? Será que uma boa alimentação, as horas de sono adequadas e uma família presente fazem mais pelo bem estar do que notas, regras e sermões? Será que para uns é importante ter poder de decisão, liderar e falar e para outros é mais confortável observar? Quando o contexto é o adequado, e adaptado à natureza das necessidades dos nossos alunos e filhos, todo o cuidado é muito mais fácil, toda a educação é benéfica, eficaz e duradoura. Importa só não querermos ter rosas quando a vida nos deu margaridas, ver a diversidade do jardim com bons olhos, não fazer comparações tolas e conhecer a espécie que temos. Assim torna-se muito mais fácil jardinar e educar e certamente todos encontrarão o seu lugar ao sol ( ou às sombra!) este post é baseado no podcast #cócegasnocoração cujo episódio completo podes ouvir no link aqui em baixo ou aqui. |
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December 2021
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o suave milagre | mariana bacelar