Nestes dez (quase onze) anos de maternidade, uma das frases que mais ouvi, fosse no parque infantil, na escola, numa festa de aniversário, nos treinos de futebol, na casa de avós e amigos, nos ateliers de fim de semana, na praia, nos restaurantes familiares de domingo, fosse dirigida aos meus ou a outras crianças, desde os mais pequeninos aos mais velhos, foi talvez : “ Boa! Muito bem!"
É verdade que as correntes mais modernas da educação advertem contra o uso da agressão física, do castigo, e do suborno com recompensas mas é raro por-se em causa o que hoje em dia se chama o “reforço positivo". Sou totalmente a favor de uma educação que se sustente no apoio e incentivo das crianças, sou defensora da necessidade imperiosa de as fazermos sentirem-se amadas, dos abraços e afeto e do foco na auto-estima como caminho para se sentirem bem com elas próprias. Os elogios, no entanto, não encaixam aqui. Se estás curiosa/o reflete sobre estas cinco “pistas”, inspiradas no maravilhoso trabalho do pedagogo Alfie Khon: 1 - muitas das situações em que elogiamos as nossas crianças têm apenas a ver com comportamentos que nos dão jeito, que nos são convenientes, elogiamos as atitudes que nos beneficiam mais a nós do que a eles, por isso não é educação é apenas manipulação. 2- as crianças viciam-se facilmente em elogios porque estão sedentas de validação, mas se usamos e abusamos desta forma de controlo acabamos por lhes mostrar um amor totalmente condicional, que apenas aparece quando se portam bem, atingem determinados resultados ou cumprem com as nossas expectativas. Isto torna a criança dependente da avaliação dos outros para se sentir bem, dependente do que consegue fazer ou ter para estar bem, exatamente o o oposto de ser resiliente e confiante. 3- se a criança aprende que é do exterior que vem a aprovação e a avaliação deixa de ter espirito critico e deixa de estar em contacto com o seu próprio julgamento sobre determinada situação, perde criatividade e não arrisca, perde autenticidade e auto-estima. 4 - quando elogiamos avaliamos, mesmo que seja uma avaliação positiva, não deixa de ser uma avaliação e não é isso que a criança procura em nós: procura ser vista, ser reconhecida, ser “encontrada”. Na maioria das vezes um “muito bem ou que bonito ou gosto muito” é o fim da conversa. Se trocares isso por perguntas - "como fizeste, conta-me sobre isto, como te sentiste a fazer, tu estas contente com o que fizeste?” - mostras interesse, curiosidade e não julgamento. E isso é o inicio de uma conversa. 5 - a criança que fica viciada no elogio perde rapidamente a motivação intrínseca e o gosto pelo percurso, colocando o foco no resultado. A motivação extrínseca ( que se consegue também com castigos / recompensas) tem “pernas curtas” e nunca ajudará a construir uma boa autoestima ou um forte autoconhecimento. Ao elogiar sistematicamente como que criamos uma barreira entre o eu autêntico que a criança é, as mil coisas inusitadas e únicas que ela terá para nos mostrar, a sua coragem e naturalidade em revelar quem é, a sua voz, e estamos como que a dizer-lhe: sê o que os outros acham bem, adapta-te para seres amada, e a criança perde a motivação interior que vem dos seus talentos naturais, que vem do que lhe dá prazer , da sua curiosidade natural ,do seu brio natural. Experimenta: seja qual for a situação, mesmo que na tua cabeça ela suscite uma “avaliação” experimenta não elogiar. Pode parecer estranho a principio mas na verdade é mais incomodo para nós não dizer nada, só observar ou acenar ou fazer uma pergunta do que para as nossas crianças. As tuas crianças precisam da tua atenção, do teu interesse, da tua curiosidade, do teu envolvimento, da tua presença , sim. Não precisam - de todo - do teu julgamento, rótulo ou avaliação constante. Se a tua criança está muito habituada ao elogio e reforço positivo ( mesmo os vai, tu consegues, eu sei que és capaz são totalmente desnecessários e contraproducentes a médio, longo prazo - e sim, a curto prazo também!) é natural que sinta a mudança (“não dizes que está bonito? achas que escorreguei bem?”) não quer dizer que na verdade não se passe a sentir muito melhor com uma mãe ou pai que acima de tudo lhe permite ser quem ela é, sentir como se tiver de sentir, a sua autoestima e confiança natural vão crescer imenso. Palavra de mãedfulness!
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December 2021
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