12/8/2021 0 Comments #crónicasdosdias 7|12o inverno a instalar-se por cá. trouxe o nariz entupido da Helena (como compete aos invernos, de todos os tempos) , céus cinzentos e a lareira acesa. e trouxe-me um desalento ao coração, que não sei porque veio. winter blues, não é? .
as caixas com os brilhos de Natal vindas do sótão que poderiam trazer um possível luz o à alma, logo fonte de desassossego: a helena quer pôr ao seu jeito e o joão também. nenhum deles é como eu vi no pinterest. depois os anjos atrapalham os carregadores dos telemóveis na consola, as velas ocupam o espaço do playmobil na cómoda, e o centro de flores e musgo em jeito de mimo da minha mãe que me vê sem alento não tem infelizmente lugar na mesa da sala que está com lotação esgotada ( papel de embrulho, computadores, fichas da escola, livros de colorir, tesouras e cordel, roupa que saiu da corda, alguém se consegue relacionar? queria tanto saber que não estou só!!) inquieto-me. resmungo. o joelho que não me deixa ir jogar padel há quase quinze dias leva-me o resto de paciência. a desordem da casa que a torna tão pouco ao meu jeito e o frio lá fora, ufa! nos dois dias que resolvi sair, caminhar um pouco, ir a pé até a beira do rio, procurando energia e distanciamento social da intensidade dos filhos, desabou uma chuvada forte que me fez apressar o passo, na falta de guarda chuva ou agasalho. da segunda vez que me aconteceu não pude deixar de sorrir da coincidência e depois achei que só podia ser o mundo a dizer-me coisas. abrandei o passo e larguei os pensamentos automáticos. deixei entrar alguns questionamentos: que sociedade somos, que humanos somos nós, que temos medo de CHUVA, de VENTO, do SOL. que nos acomodamos facilmente à imposição tão pouco científica que nos impede de respirar os cheiros da rua, o ar frio revigorante. achamo-nos frágeis, desprotegido, desamados pela natureza. nós, que muitas ainda crescemos a fazer parte das cidades, a caminhar fosse verão ou inverno se queríamos cegar a algum lado, a brincar no bairro, que adultos serão os nossos filhos! passei muitos anos a andar muito pouco ou quase nada a pé. a não fazer parte de uma cidade, a não calcorrear ruas. sempre de carro entre casa e shoppings ou grandes superficies. trabalhei dez anos em centros comerciais. em gabinetes ou espaços onde passava mais de oito horas por dia sem ver a luz real do dia. a chuva molhava-me os pés, a cabeça, humedecia o casaco, batia-me na cara com a ajuda do vento gelado, e algo aqueceu o meu coração. a sorte que podemos ter e esquecer. reconhecer que fiz as escolhas certas. não prováveis, não muito seguras, mas certas. nesse dia , depois do banho quente e os dramas familiares do costume, passei de raspão pelo telejornal. o Papa depois de visitar os campos de refugiados na Grécia a dizer coisas tão lindas, tão importantes, tão duras. “devíamos todos nos curvar de vergonha perante vós.” é certo que as nossas dores são as nossas dores. que não podemos viver a vida que não vivemos e temos de fazer as pazes com isso. mas há um momento em que temos de cair em nós, de questionarmos que raio de espécie somos. nesse dia à noite acendi as velas e as luzes de natal das janelas, devo ter feito uma storie do bolo de avelã que imitei de um blog, fotografei o fogo inspirador da lareira que o Rui acendeu, ajudei-os a tirar as almofadas decorativas das caminhas para se deitarem, ouvi a minha playlist de dezembro no spotify enquanto lavava a louça , os individuais natalícios limpos, os guardanapos com pinheireinhos recolhidos. uma série na netflix, depois, sobre famílias que se refazem em busca da paixão e do amor perdidos.a imagem dos meninos a quem o Papa Francisco apertou a mão, a virem-me ao coração. desalentado, pecebo-o agora, talvez mais pelos tempos que vivemos do que pelo tempo que faz lá fora. meio mundo sem casa e outro meio a brincar às casinhas, meio mundo sem direito à infância, meninos crescidos pela dureza precoce da vida, e no outro meio eternas crianças mimadas. claro que o que sentimos é sempre válido e fala sempre sobre a nossa realidade, não se trata de esquecer ou desvalorizar as emoções e o que importa nas nossas circunstâncias. mas também se trata de deixarmos a luz da consciência iluminar os dias mais escuros. de sermos crescidos, com responsabilidade sobre o mundo em que vivemos e onde queremos viver. de sermos os "adultos na sala", sobretudo quando a nossa sala ( desarrumada, imperfeita, virada de pernas para o ar, invadida por crianças que estão a poder viver a sua infância) é tão segura e confortável. com amizade, mariana ⭐︎
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12/2/2021 0 Comments #cronicasdosdias 30|11A Helena ficou com febre durante a noite. Há sete anos que decidi dedicar-me aos meus filhos e a nossa família a tempo inteiro. O Joao tinha quatro, a Helena era ainda apenas um desejo. Há dias muito duros, e momentos em que duvido das minhas opções mas nestes dias de fragilidade não. Lembro-me do Joao Maria ser pequenino e levá-lo a creche com febre e tudo. Não tínhamos com quem deixar. Tínhamos muito trabalho pendente, pessoas a contar connnosco, situações urgentes para resolver. Não tinha como justificar a falta de um dia. O sistema não está feito para as famílias cuidarem das suas crianças como deve ser. Mas ontem foi fácil a decisão de ficarmos por casa. Sei que não parei e não vos sei enumerar tudo o que fiz ( o traballho invisível de mães e cuidadores, certo?)
Consegui dar conta de metade da pilha de roupa ( vá lá!) . Fui buscar Ramos de eucalipto ao jardim para colocar nos duches e nas jarras. Fui à mercearia reforçar o chá de gengibre, o mel e os limões. Consegui trabalhar no meu site ( ainda não terminado, mas podem ir espreitar que já lá tem coisas bonitas!) Jantamos juntos, na algazarra boa das conversas misturadas. Acendi as velas pela primeira vez. E ainda conseguimos ter ânimo para jogar o YouTube masters , o jogo de tabuleiro. Discutimos nas regras, rimo-nos e ganhamos montes de subscritores. Mas não fizemos batota. Paga-se muito caro, quando se trata de fazer batota com as relações mais importantes da nossa vida. E nos tempos de tanta realidade virtual foi bom que, às custas dela, tenhamos tido um fim de dia bem real, bem junto de quem se quer bem. Ganhei o jogo e declarei em tom solene: “ vou descansar. Ate amanhã.” [ é sempre a melhor forma de te seguirem para a cama sem brigas 😉] mas não era truque ou bluf - não podes fazer batota se queres que confiem em ti. Era a mais pura das verdades. Estava tão cansada e amanhã tinha muito trabalho pendente para resolver, as pessoas mais importantes da minha vida a contar comigo, situações urgentes para resolver. Não podia justificar a falta de um dia. #diasdeoutono #familygoals 11/30/2021 0 Comments #crónicasdosdias 29.11Ainda a recuperar da indisposição de ontem. Ainda assim, dia de pôr ordem na casa: acabar de vez com vestígios do jantar de sábado, da lareira de Domingo. Camas de lavado, roupa a fingir secar na humidade do jardim.
Plantei as duas estrelas de natal, lindas e baratinhas que encontrei no pingo doce . as mãos na terra a dar-me força à alma e a chuva miudinha a abençoar o dia. A helena comigo, a lembrar aqueles anos em que ficamos tanto as duas, na companhia certa que nos sabemos fazer. Deixei-a fazer- me a manicure de que tanto preciso. As unhas ruídas ficaram logo com melhor ar e o creme de verdade amparou a rudeza da vida de casa. O Banksy , o gato que nos adotou, apareceu nas visitas habituais para comer, alguma companhia. A ferida não está com grande aspeto e começo a duvidar que a natureza trate de a curar como deve ser. Espreitei-o debaixo do banco, quase durante a tarde toda no conforto da casca de Pinheiro , onde, faz quase um ano, o descobrimos pela primeira vez Algumas decorações de natal começam a engendrar o seu lugar. Umas estrelas singelas, compradas há quinze anos para o t2 pequenino, a primeira casa que tivemos, ficam um pouco perdidas nas portadas do quarto mas ainda funcionam e serão sempre bonitas por serem simples. Chá de gengibre e camomila nas pausas do dia. O estômago ainda meio embrulhado. O joao a chegar, às cinco, com um brilho do orgulho no olho: namorada nova? Um excelente a português . Fruto de uma certa dedicação ao estudo que este ano lhe vejo e não era costume. Claro que pendemos para a bazófia e o louvor. Ganho consciência, pauso no meu Mãedfulness imperfeito e procuro devolver-lhe a ele o feito, a história do mesmo e a alegria. sei que lhe afagaria o ego em crescimento com elogios ou até prémios ou com a minha própria alegria e sei que não é caminho que valha alguma coisa para ele. Não é sobre mim, é sobre ele. Não é sobre notas é sobre interesse e envolvimento. Não é sobre resultados, é sobre o processo. Mete-se o rewind do the Voice de ontem e o ténis de dali a bocado e avançamos no dia. Acusa o toque por interposta pessoa, mais tarde ao jantar: “a professora nem disse nada, entregou assim só o teste. “ A helena e os anjos em atraso para a sala 6 do jardim não permitiram a conversa boa que poderíamos ter tido. Talvez amanhã. Talvez se perca , assim vida de mãe de dois. A imperfeição e as falhas da vida podem ser bons conselheiros. De humildade e resiliência, de certeza.Cansaço de fim de dia e convalescença da macacoa de ontem a instalar-se : cedo na louça que fica só meio despachada na pia e ganho uns minutos para levar o lixo ao sítio mais longe . a chuva parou, as luzes húmidas da rua, deserta. Penso que há hábitos que custam tanto a mudar e outros que tão facilmente se entranham em nós , que só pode ser porque já em nós habitavam. Ninguém na rua na ida. Um senhor a passear o cão de máscara (o senhor, vá, não o cão!) na vinda. Somos um país de cortinas corridas e persianas fechadas, de sofá e tv e muito medo das intempéries, os que restaram nos que foram descobrir o mundo. uma noite fria e linda a despedir-se de novembro e tantos de nós sem a testemunhar. Inspiro o ar limpo e invernal, há folhas , um tapete dourado delas, por todo o passeio , no alpendre de casa. "Confia, parece-me ouvir. "A Natureza sabe o que faz". Apresso- me a entrar e o cheiro da casa , aquecida e familiar, sabe melhor depois de se ter saído. chega de conversa: há anjos, com asas e tudo, prestes a sair das páginas desoladas, corrompidas e cínicas dos jornais de ontem. Mas amanhã, é outro dia ♥︎ #diasnormais #vidademae #normalpeople #diasreais 5/14/2021 0 Comments ♥crónicas da maternidade #maioAos dez, eu queria ser bailarina. E sei como é fácil, aos quarenta, sentirmo-nos reféns de sonhos perdidos. Como é fácil remoer no que não fomos, não tivemos, não escolhemos. Remoer nos amores que perdemos, nas opções que não tomamos, nos sonhos atrás dos quais não corremos.
É isso que nos leva a despeja-los - com expectativas e cobranças - nos nossos filhos. É isso que nos leva a ser reativos e amargos com quem nos lembra, por alguma razão, esse saco cheio de vazio que carregamos às costas - não pesa, mas ocupa-nos as mãos, a mente e o coração. Eu sei, hoje, que dá para pousar esse saco. Retirar o algodão-doce das ilusões tontas e enche-lo de novo com os sonhos e os planos e tudo que somos (sim somos!) só porque um dia o sentimos dentro do peito: bailarinas, escritores, mães, estrelas rock, felizes, aventureiros, vivos, apaixonados. Mesmo que nada disso se tenha concretizado da forma como um dia imaginamos, somos todos esses sonhos e projetos que um dia acalentamos. Por isso, não os negues ou os vejas pela metade. Dá-lhes outra vez espaço, deixa-os viver em ti, seja de que forma for, no teu coração, mente, pés e mãos. Eu danço com os meus filhos, muitas vezes, no meio da sala e da cozinha e sou outra vez aquela bailarina que em mim viveu aos dez. Foi ela, afinal, que me ensinou a dançar com a vida aos 40. #mãedfulness #maio #sonhos #quarenta #crónicasdamaternidade 4/14/2021 0 Comments Uma família perfeita( de 2015)
O JM, numa crença muito própria que foi buscar sabe-se lá onde ( tanto como as nossas!) e que não admite pôr em causa com nenhum argumento (tanto como nós!), acredita e apregoa que uma família para o ser tem de ter pares de género na sua constituição. Eu , ele e o pai não éramos uma família. Pais e duas meninas ou dois meninos não são uma família, pais e três filhos não são uma família(!) Eu abespinhava-me, corrigia, questionava até que ele cedeu... um pouco: - É uma família... mas não é uma família perfeita! Aí tive de concordar. Por exemplo, eu, os meus pais e a minha irmã, não somos, realmente, uma família perfeita. Tantas vezes há palavras que magoam no cardápio dos almoços alargados, tantas vezes falta um olhar na despedida apressada, tantas vezes ficam por dizer: obrigada, amo-te, tive saudades. Tantas vezes chocam egos, se abre o álbum das memórias doridas ou se fazem cobranças de carências mal paradas. Não somos uma família perfeita. Às vezes há berros e lágrimas e listas de deve e haver. Batalhas connosco próprios, no fundo. Batalhas que nos sentimos seguros de travar na arena almofadada da família que somos. Às vezes há nervos em franja e emoções à superfície da pele - mas são apenas isso mesmo: pele morta que se esfolia. Porque debaixo, no âmago do que somos, nunca há cobrança no que realmente importa, nunca medimos ou trocamos amor, Porque depois estamos sempre, somos certos, damos uns aos outros sem ser preciso pedir, não nos falhamos. Partilhámos afetos, numa verdade do que somos, em algazarras alegres e discussões acesas e cuidámo-nos, sem fugir dos momentos difíceis. Eu, ele e o pai também não somos, realmente, uma família perfeita. Tantas vezes nos falta humildade, compaixão, tolerância, e sobra-nos cansaço agudo ou dores crónicas. Tantas vezes, fazemos inventários de queixas em vez de beijos ou medimos forças em vez de abraços. Já tombamos de tanto balançar sem conseguir o equilíbrio. E aprendemos que só dando a mão um ao outro nos conseguiríamos levantar. Amuamos, zangamo-nos mas depois, pedimos desculpa. O amor o que é? Um encontro de almas? Ou almas um tanto diferentes que se encontram todos os dias mais um bocadinho? Agora que teve uma irmã, o JM vive na ilusão que tem uma família perfeita. Eu deixei de implicar. E apenas refleti nesta visão estreita de família: Tantas vezes não a vemos enraizada, baseada em crenças tão ou mais tontas, "Uma mãe e um filho não são uma família" "Dois pais e uma filha não são uma família" "Um mãe um pai e um filho que nasceu doutra barriga não são uma família" em pessoas com bem mais de cinco anos? 1. “Educar bem é educar para a excelência” De há umas décadas para cá, o que se entende por educação transformou-se numa corrida para o pódio, numa formação intensiva e esforçada para que os nossos maravilhosos pequeninos se transformem em crianças “funcionais”, ótimos em tudo que fazem e com um promissor futuro, cheios de boas intenções ,treinamos, supervisionamos, proporcionamos experiências, desportos e atividades, terapias e estímulos. Desde cada vez mais cedo as nossas crianças - até os nossos adoráveis bebés - vivem em ambientes organizados, otimizados, hiper seguros, cheios de rotinas e ordem, regras e tarefas - ambientes nada amigos da infância, afinal. Valorizamos os feitos, os troféus, abusamos do elogio e do reforço positivo para que cheguem longe, sejam os primeiros, figurem no quadro de honra, recebam medalhas e estrelinhas de bom comportamento e, com frequência, esquecemos o que mais importa para uma infância saudável, para uma boa saúde emocional e mental : que se estabeleçam relações onde prevaleça o amor incondicional (que se sintam amados independentemente do que atingem, fazem ou conseguem ou não fazer). Esquecemos de lhes mostrar que são perfeitos como são, confiar nos seus instintos sobre que lhes dá prazer fazer ou não; não lhes perguntamos se riram, se se divertiram, se tiveram curiosidade e sentiram satisfação a fazer algo ou em determinada actividade e, em vez disso, promovemos, muitas vezes, que se desliguem de si próprios, do que sentem, do que gostam e dos seus limites. Colocamos o foco na disciplina externa e não no desenvolvimento da auto-disciplina - o verdadeiro segredo para serem adultos de sucesso é que se liguem aos seus gostos pessoais, à descoberta interna e exploração e não à competição, comparação e obediência. Com todo o nosso esforço para termos crianças “excelentes” , estamos constantemente a dizer (com palavras, atos e escolhas) que têm de provar o que valem, que têm de se esforçar para ser alguém(!), que têm de merecer o nosso amor (louvor, apreciação, elogio, atenção), que para serem queridos têm de corresponder às expectativas que a sociedade e nós criámos para eles. Ao olharmos constantemente para o “potencial” de cada uma das nossas crianças, esquecemos de ver - e os fazer ver - da(s) potência(s) que já têm: das valências, da energia, do vigor , de que são feitos no momento presente e não em qualquer momento, acontecimento futuro. Cada uma das nossas crianças é especial e normal ao mesmo tempo, e a infância é o tempo da exploração, da experimentação da descoberta de quem somos no encontro com os outros e com a sociedade, não é altura de treino especializado, não é altura de afunilar, é altura de abrir horizontes. Verdade: essa “excelência” que queremos para eles, que lhes incutimos ser importante atingir, todos sabemos muito bem, não assegura sucesso, amor, segurança, contentamento ou saúde e, com alguma certeza, vai até reduzir as possibilidades de encontrarem tudo isso ao longo da vida. 2. “Há crianças que se portam bem e crianças mal comportadas” Se formos verdadeiros - connosco próprios pelo menos - basta pensar um pouco e assumir que as crianças que os pais, a escola, os avós, rotulam de “bem comportada” é a criança sossegada, obediente, estudiosa, que dá beijinhos, auto controlada e calada - esta criança tão boa, na verdade, é boa a encaixar no nosso mundo de adultos, sem nos dar muito trabalho. São crianças fáceis, porque tornam a nossa vida mais fácil. Não nos desafiam, permitem-nos sentir no controlo da situação e não nos forçam a enfrentar questões desconfortáveis sobre quem somos ou como fomos educados. Já a criança que se porta mal é no fundo a criança barulhenta, hiperativa, agressiva, distraída, faladora, desafiante, teimosa. São as crianças que não ouvem e não nos respondem, que desafiam, batem, mostram desrespeito, certo? Errado. Estas crianças só estão a expressar sentimentos e necessidades, talvez de uma maneira desagradável para nós, mas que precisa de ser ouvida e não criticada, para que emoções e atitudes diferentes apareçam. Mas quando castigamos, rotulamos, criticamos e lhes retiramos amor, só lhes estamos a mostrar que estão ( são) erradas, que não deviam ser quem são e isto só as fará sentir ainda pior. Estas crianças que quebram as regras, geram desordem e testam os nossos limites estão a dizer-nos: “não me sinto vista, nem ouvida, nem reconhecida por quem sou, não sinto que faça parte da tua vida”. E são, na verdade, fortes e íntegras o suficiente para o mostrarem. Verdade: a alteração duradoura dos comportamentos só se consegue com conexão e respeito na forma de lidar com a criança. Mais importante do que parecer ter boa educação é ter de verdade uma boa saúde emocional; educar bem é permitirmos à criança ser autêntica, exprimir -se sem medo e faze-la sentir que tem nos pais um lugar seguro sempre que precisar. 3. “Educar bem é ter controlo sobre os filhos” O sentimento instintivo de que os filhos são “nossos” é natural, humano e universal. É a relação em que mais investimos, na qual nos revemos, onde colocamos mais expectativas e para a qual tendemos a olhar, cada vez mais nos tempos modernos, como um projeto que tem de sair perfeito. Acreditamos também que as crianças não sabem nada, são uma página em branco e frequentemente as tratamos como tendo menos valor do que nós. Por isso acreditamos que é nosso dever controlá-los, numa mistura de sentimentos e crenças - “eu sei o que é melhor para ele, preocupar-me é ser atento, estabelecer um plano para quem eles vão ser e como vão viver é o meu dever como pai” - em que entra muitas vezes o nosso ego, os nossos próprios medos, as feridas da nossa própria infância, e apenas o nosso mapa do mundo. Mas ser um bom pai é, na verdade, recordar, a toda a hora, que a parentalidade não tem nada a ver com cumprir planos pré-feitos na nossa mente e assumir, com humildade e coragem que nós não somos responsáveis por quem os nossos filhos se vão tornar, não somos nós que vamos torná-los em alguém, nem controlar quem eles são ou como se comportam. A nós, como cuidadores ,cabe-nos ser encarregados da sua saúde, segurança e bem estar - e mesmo isto tem os seus limites - cabe-nos manter sob controlo as nossas próprias ações, atitudes e pensamentos, ser donos do pai e da mãe que queremos mesmo ser, da pessoa que queremos ser perante os nossos filhos. Todos os valores que defendemos para os relacionamentos entre qualquer ser humano devem estar presentes no nosso relacionamento com as nossas crianças e educar bem tem de passar por os tratarmos com igual valor - isto implica respeitar os seus sentimentos, pensamentos, opiniões e formas de ser mas também a sua responsabilidade individual e integridade. Toda a nossa necessidade de controlar vem do medo, da insegurança, da sensação de escassez e ansiedade - os nosso filhos acabam por ser, à boleia deste princípio, os depositários de todas essas emoções. Os filhos não são nossos e não temos o direito de os privarmos das suas próprias experiências, não temos o direito de lhes dizermos como viver, temos a obrigação de confiar neles, cuidar deles e procura ser uma boa influência na sua vida. Teremos de resistir ao que vai dizer a sociedade, a família próxima e ao julgamento alheiro? Sim! Por isso a parentalidade consciente é um crescimento sobretudo para nós pais. Verdade : achamos que quanto mais controlo tivermos sobre os nossos filhos, mais os moldamos ou mudamos, mas o efeito é exatamente o oposto: ou os oprimimos e nunca serão capazes de expressar quem são de verdade ou se rebelarão e afastarão de nós e do nosso estilo de vida. - ❥ #marianabacelar Tenho um toldo cá em casa que se aciona com um interruptor. No interruptor está indicado o lado “abrir” e o lado “fechar”, em francês. Talvez o senhor que nos veio instalar o toldo não soubesse falar a língua ou estivesse apenas distraído , com a cabeça noutro lugar enquanto realizava o trabalho - mindless, portanto - a verdade, é que me deixou uma maravilhosa lição de linguagem emocional e de mindfulness.
Nestes dez (quase onze) anos de maternidade, uma das frases que mais ouvi, fosse no parque infantil, na escola, numa festa de aniversário, nos treinos de futebol, na casa de avós e amigos, nos ateliers de fim de semana, na praia, nos restaurantes familiares de domingo, fosse dirigida aos meus ou a outras crianças, desde os mais pequeninos aos mais velhos, foi talvez : “ Boa! Muito bem!"
É verdade que as correntes mais modernas da educação advertem contra o uso da agressão física, do castigo, e do suborno com recompensas mas é raro por-se em causa o que hoje em dia se chama o “reforço positivo". Sou totalmente a favor de uma educação que se sustente no apoio e incentivo das crianças, sou defensora da necessidade imperiosa de as fazermos sentirem-se amadas, dos abraços e afeto e do foco na auto-estima como caminho para se sentirem bem com elas próprias. Os elogios, no entanto, não encaixam aqui. Se estás curiosa/o reflete sobre estas cinco “pistas”, inspiradas no maravilhoso trabalho do pedagogo Alfie Khon: 1 - muitas das situações em que elogiamos as nossas crianças têm apenas a ver com comportamentos que nos dão jeito, que nos são convenientes, elogiamos as atitudes que nos beneficiam mais a nós do que a eles, por isso não é educação é apenas manipulação. 2- as crianças viciam-se facilmente em elogios porque estão sedentas de validação, mas se usamos e abusamos desta forma de controlo acabamos por lhes mostrar um amor totalmente condicional, que apenas aparece quando se portam bem, atingem determinados resultados ou cumprem com as nossas expectativas. Isto torna a criança dependente da avaliação dos outros para se sentir bem, dependente do que consegue fazer ou ter para estar bem, exatamente o o oposto de ser resiliente e confiante. 3- se a criança aprende que é do exterior que vem a aprovação e a avaliação deixa de ter espirito critico e deixa de estar em contacto com o seu próprio julgamento sobre determinada situação, perde criatividade e não arrisca, perde autenticidade e auto-estima. 4 - quando elogiamos avaliamos, mesmo que seja uma avaliação positiva, não deixa de ser uma avaliação e não é isso que a criança procura em nós: procura ser vista, ser reconhecida, ser “encontrada”. Na maioria das vezes um “muito bem ou que bonito ou gosto muito” é o fim da conversa. Se trocares isso por perguntas - "como fizeste, conta-me sobre isto, como te sentiste a fazer, tu estas contente com o que fizeste?” - mostras interesse, curiosidade e não julgamento. E isso é o inicio de uma conversa. 5 - a criança que fica viciada no elogio perde rapidamente a motivação intrínseca e o gosto pelo percurso, colocando o foco no resultado. A motivação extrínseca ( que se consegue também com castigos / recompensas) tem “pernas curtas” e nunca ajudará a construir uma boa autoestima ou um forte autoconhecimento. Ao elogiar sistematicamente como que criamos uma barreira entre o eu autêntico que a criança é, as mil coisas inusitadas e únicas que ela terá para nos mostrar, a sua coragem e naturalidade em revelar quem é, a sua voz, e estamos como que a dizer-lhe: sê o que os outros acham bem, adapta-te para seres amada, e a criança perde a motivação interior que vem dos seus talentos naturais, que vem do que lhe dá prazer , da sua curiosidade natural ,do seu brio natural. Experimenta: seja qual for a situação, mesmo que na tua cabeça ela suscite uma “avaliação” experimenta não elogiar. Pode parecer estranho a principio mas na verdade é mais incomodo para nós não dizer nada, só observar ou acenar ou fazer uma pergunta do que para as nossas crianças. As tuas crianças precisam da tua atenção, do teu interesse, da tua curiosidade, do teu envolvimento, da tua presença , sim. Não precisam - de todo - do teu julgamento, rótulo ou avaliação constante. Se a tua criança está muito habituada ao elogio e reforço positivo ( mesmo os vai, tu consegues, eu sei que és capaz são totalmente desnecessários e contraproducentes a médio, longo prazo - e sim, a curto prazo também!) é natural que sinta a mudança (“não dizes que está bonito? achas que escorreguei bem?”) não quer dizer que na verdade não se passe a sentir muito melhor com uma mãe ou pai que acima de tudo lhe permite ser quem ela é, sentir como se tiver de sentir, a sua autoestima e confiança natural vão crescer imenso. Palavra de mãedfulness! 1/7/2021 0 Comments 01. isabela preguiça inusitada, que o acordar na manhã ainda por nascer lhe trouxe, fê-la duvidar da sua habitual determinação. acordar cedo, beber o seu chá ⎨gengibre no inverno, camomila no verão⎬ e tomar conta do dia antes que ele tomasse conta dela era o seu passaporte certo para que as rotinas e tarefas, os compromissos e depois o merecido descanso acontecessem sem sobressaltos. sempre fora assim, desde menina: escola, viola e a ginástica rítmica, a pautarem a cadência certa dos dias normais, a previsibilidade e a organização a darem-lhe tempo de sobra e algum espaço livre para os sonhos. às vezes, nestes últimos tempos, voltara a lembrar-se deles, dos sonhos tontos de quando tinha doze, dezasseis, dezoito: o teatro, a decoração, a moda. e foram eles, em vez do sentido do dever, que a tiraram da alvura da cama quente naquele frio inusitado na latitude marítima que escolhera para viver, mesmo sendo inverno no hemisfério norte. Viu a fina camada de geada na relva do seu pequeno jardim, quando afastou a cortina, a manhã quase a romper agora. pôs a tocar a música que o André lhe tinha sugerido num WhatsApp, na noite anterior ⎨bem sabia, um tens de ouvir isto com um link também pode querer dizer gosto de ti⎬ no spotify e ainda com preguiça entrou no duche. permitiu-se a água bem mais quente do que habitual ⎨estraga a pele e deixa o cabelo baço - a voz da avó Zé, regrava, por norma, a temperatura dos seus banhos, sem piedade⎬, o Goofrey a vir dizer finalmente bom dia, no miar terno de quem quer mimo e Isabel, nos gestos automáticos, ainda que delicados, de todas as manhãs: a roupa escolhida na noite anterior, a maquilhagem discreta nos tons e técnicas aprendidas ao longo dos anos. não, não tinha saudades dessa miúda um pouco insegura, um pouco obstinada que fora. só saudades de saber que tinha o tempo todo do mundo à sua frente, de ter a certeza que as possibilidades eram infinitas, que podia fazer tudo desde que se dedicasse. A inocência e a vontade juntas, num projeto de cinema do liceu, num curso de verão de pintura, outro de costura, num estágio profissional algo arriscado, numa agência de comunicação, mesmo depois de ter escolhido o curso de futuro certo que o pai, voz segura e colo terno, lhe aconselhara. a verdade é que o seu coração lhe pedia estabilidade, sempre pedira. até os amores os preferia serenos, desses que pouco pedem - uma mão dada na rebentação, um encontro de olhares entre livros lidos no silêncio, uma pequena viagem planeada, uma casa partilhada e cuidada, um projeto de vida a longo prazo e a sua independência assegurada. a mãe dizia-lhe que ela nascera com uma alma antiga, ao que a sua amiga Ana retorquia, sarcástica: ó mulher, homens desses à antiga, já não se fazem! moderniza lá a alma ou ficas sozinha para sempre! ela respondia-lhe o lugar comum, sem pausas para dúvidas: mais-vale-só-que-mal-acompanhada e no meio de um brinde com o tinto favorito das duas, assegurava que namoricos frívolos não eram para ela, tinha mais o que fazer. tinha o ioga e o gato, tinha o trabalho exigente e a casa, que gostava de manter organizada, limpa e mimada por si própria como sempre fizera, ainda a companhia boa do André, se bem que agora em guarda partilhada mas que lhe permitira ter voltado ao voluntariado, enfim uma #vidamuitoocupadagraçasadeus. a Ana ria-se e apertava-lhe na cintura onde faz doer: e tens-me a mim, não, ó tontinha? sim, não se podia queixar, tinha uma vida boa, cómoda e tranquila, preenchida com tudo que sempre sentira ser importante. nunca lhe faltara sentido prático, por isso as desilusões e durezas do percurso acomodara-as como tinha de ser, no seu bom coração e, entre dois alongamentos de alma, seguira caminho. um amor de tantos anos que lhe dera um filho maravilhoso, nunca podia ser colocado na lista do deve, mesmo que tenha ficado aquém do #eforamfelizesparasempre. um filho adolescente e um ex-marido que não lhe davam dores de cabeça, antes estavam lá para ela caso precisasse era sorte, não queixume. bom, também trabalho, sim, e desse orgulhava-se sempre. não era de baixar os braços, nem de deixar créditos por mãos alheias. com calma e empenho tudo se conseguia, e cabe-nos a nós construir uma vida tranquila, com as nossas atitudes e escolhas face ao que nos acontece - levava as premissas gravadas, talvez herdadas da mãe, talvez das freirinhas da escola primária, talvez do seu próprio adn capricorniano. houvera anos mais duros - mãe sozinha com pai a dias - não mentia a si própria nem desmerecia a sua capacidade de trabalho. sabia que a tinha, as marcas na alma e na pele da carga às vezes pesada demais, outras solitária demais e da responsabilidade que não delegava confirmavam a versão adulta e pragmática da vida: o caminho faz-se e tu és capaz de o fazer sozinha. (será que estava a duvidar disso?) enfrentou, enfim, os graus negativos e húmidos da sua rua, pouco passava das oito, as luvas e a pachemina cor de cereja a aconchegarem-na na travessia pelo ar frio até ao Bistrô da Eva, onde tomava o seu pequeno almoço, com as notícias da manhã a desfilarem nas redes sociais, os aromas do bolo do dia já no forno e do café de cafeteira fresquíssimo a espalharem-se, qual droga boa, pela atmosfera aquecida. havia sol na mesa junto às aromáticas e não hesitou - aquela mesa era sua, e nesse momento, soube que também era seu o direito de ver o tempo passar, sem agenda que o dominasse. os pensamentos tomavam conta do seu coração, sem que ela os aprovasse, mas era isso que diziam: que talvez fosse tempo de, sem hesitar, agarrar um ou outro sonho que ficara pendurado no cabide do que falta. porque faltava algo, sim. e não era nenhum falhanço assumi-lo. era desconfortável, era terrritório duro de atravessar, como aquele inverno, mas com o aconchego certo não era impossível. talvez pudesse arriscar um pouco e planear menos. talvez não passasse de hoje inscrever-se no curso de decoração de interiores que lhe aparecia a toda a hora no feed do facebook, talvez pudesse planear um fim de semana em Veneza, que não conhecia. a Eva, mulher forte e de sorriso grande, abeirou-se dela, os olhos brilhantes de quem não vive sem paixão: -Não te sentas, hoje, querida Isa? Ia sentar-se sim, na mesa cheia de sol junto às aromáticas que a convidava a sossegar, a fazer as coisas de forma um bocadinho diferente, a acomodar a preguiça na sua agenda imaculada, a riscar uma ou outra obrigação e a pagar para ver que o mundo não desabaria. na playlist do Bistrô , como sinal das energias certas do cosmos, começou a tocar a música do Kris Allen que ouvira de manhã, tão bonita. Venice. sim, talvez estivesse também na hora de aceitar o convite para jantar do Rodrigo, lá do escritório. quem sabe partilhavam gostos musicais? quem sabe ele alinhava num fim de semana juntos a Veneza? - ❥ mariana| janeiro ´21 O caminho da parentalidade que vai assegurar uma boa saúde mental e sucesso na vida do futuro adolescente, adulto que tens vindo a educar, propõe retirar tudo o que seja manipulação, expectativa e medo da nossa relação com os filhos e basear a educação no respeito, confiança, foco em ser o exemplo que queremos ver e valorizar mais o processo e o presente do que os resultados e as expectativas.
Talvez estes dez indicadores de uma boa educação te ajudem a descobrir que afinal estás no bom caminho ou a perceber quais são os gatilhos ou as crenças que ainda te fazem estar preso a um modelo punitivo/controlador. Relaxa e muda a tua atitude em relação a isso e verás as coisas a melhorarem muito depressa!
#dezindicadoresdeumaboaeducação #largaaexpectativa #ficanopresente #celebraadiferença photo credits: unsplash.pt |
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December 2021
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o suave milagre | mariana bacelar